Somos humanos e frágeis por isso estamos aqui de passagem. J. Eustáquio

Este blog tem como objetivo principal auxiliar os estudantes de Biologia da UESB na materia de Paleontologia, bem como suas práticas e variantes. Além de informar a comunidade a cerca dos acontecimentos durante a materia.

sábado, 28 de agosto de 2010

Concorrência para mamíferos?

Pequeno crocodilomorfo do Cretáceo descoberto na Tanzânia traz pistas não só sobre a evolução do grupo. Alexander Kellner explica como a descoberta pode ajudar a entender por que mamíferos eram tão raros no supercontinente de Gondwana.

Por: Alexander Kellner
Publicado em 05/08/2010 | Atualizado em 05/08/2010
Concorrência para mamíferos?
 
O pequeno ‘Pakasuchus kapilimai’ abocanha uma libélula, que teria feito parte de sua dieta cerca de 100 milhões de anos atrás (ilustração: Mark Witton, University de Portsmouth). Não é novidade que muitas vezes a descoberta de um fóssil muda a história evolutiva de um determinado grupo, mas é raro quando o novo achado influencia o que sabemos sobre um segundo grupo não proximamente relacionado.

Justamente este é o caso do Pakasuchus kapilimai, cuja descoberta acaba ser publicada em destaque pela Nature. Se os autores estiverem corretos, este pequeno crocodilomorfo ajuda a explicar por que os mamíferos fósseis são tão raros no Brasil e em outros pontos da América do Sul e da África, que outrora fizerem parte do supercontinente Gondwana.

Crânio posterior de crocodilomorfo 
O crânio posterior do crocodilomorfo descoberto, 
ainda na matriz avermelhada de arenito 
(Patrick M. O'Connor, Ohio University).

A surpresa

Quando resolveu desenvolver a pesquisa na Tanzânia, na África Oriental, Patrick O'Connor, do Departamento de Ciências Biomédicas da Faculdade de Medicina Osteopática da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, estava em busca de dinossauros terópodes e aves, que são particularmente raros no continente africano.
Patrick O’Connor 
Patrick O’Connor analisa os fragmentos 
de ossos encontrados que levariam 
ao esqueleto do ‘Pakasuchus kapilimai’ 
(foto: J.P. Cavigelli/ Tate Museum, Wyoming).
Porém, como é comum na paleontologia devido à condição errática dos fósseis, nem sempre se encontra o que se procura. Depois das primeiras atividades de campo em um ponto situado 20 km ao sul do lago Rukwa, o pesquisador e sua equipe encontraram dentes isolados que lembravam os dos mamíferos, mas tinham uma morfologia geral reptiliana. Aquele material intrigou os cientistas e claramente indicava a existência de algum animal muito interessante nas camadas da Formação Galula.

Esta unidade estratigráfica ainda não tem a idade bem estabelecida, que pode variar entre 110 e 125 milhões de anos. Apesar de haver alguns registros paleontológicos, aquelas camadas ainda não tinham sido exploradas de uma forma mais sistemática antes de a equipe de O'Connor ter chegado à Tanzânia.

 Com o tempo, a escavação na região revelou um esqueleto completo e um crânio de um pequeno crocodilomorfo, facilmente reconhecido pelo dente canino e pelos osteodermos – placas ósseas que ficam embutidas no couro do animal, como se observa nos crocodilos e jacarés dos dias de hoje. Mas, como as arcadas estavam coladas, O'Connor não conseguiu observar detalhadamente a forma da dentição daquele réptil.
 
De volta em Ohio, aquele exemplar foi submetido a uma análise com um equipamento que produz imagens de raio-X de alta resolução. Posteriormente, essas imagens foram compiladas para a representação tridimensional, e veio a grande surpresa: os dentes encontrados isolados na primeira fase da escavação eram iguais aos encontrados naquele crocodilomorfo...
Crocodilo do tamanho de gato 
Do tamanho de um gato, o crocodilomorfo encontrado na Tanzânia 
tinha características pouco usuais para o grupo, notadamente 
os dentes similares aos de mamíferos 
(ilustração: Zina Deretsky, US National Science Foundation).

O ‘crocodilo gato’!

Estava claro para os paleontólogos que eles estavam à frente de um animal desconhecido pela ciência, que batizaram de Pakasuchus kapilimai. O nome é curioso e deriva da palavra paka, que no idioma falado na Tanzânia, suaíli, significa gato; e souchus, a palavra grega para crocodilo. O segundo nome da espécie foi uma homenagem ao falecido professor Saidi Kapilima, que foi de grande ajuda para que O'Connor pudesse desenvolver os trabalhos na Tanzânia.

"Constituição do esqueleto sugere que a nova espécie estava bem adaptada a uma vida em terra firme".
 
Como características gerais, o Pakasuchus era de pequeno porte, atingindo em torno de meio metro de comprimento. A sua cabeça era curta, com apenas sete centímetros, e a superfície dos ossos era praticamente lisa, sem a ornamentação pesada com cristas e depressões encontrada na maioria dos crocodilomorfos, inclusive os recentes.

Os membros são alongados e bastante gráceis. Apesar de terem sido encontrados osteodermos, sobretudo na cauda, os mesmos são muito reduzidos na região dorsal, dispostos em uma fileira dupla. Essa constituição do esqueleto sugere que a nova espécie estava bem adaptada a uma vida em terra firme, onde a falta de uma couraça bem desenvolvida diminuía o seu peso e aumentava a sua mobilidade.
Dentição do crocodilomorfoA dentição do crocodilomorfo: formas parecidas com molares e mandíbula que poderia se movimentar para frente e para trás (ilustração: Zina Deretsky, US National Science Foundation).

Mas o grande destaque da ‘pequena fera’ é a sua dentição. Além de ter poucos dentes, os situados na região posterior possuem cúspides e cristas, fazendo com que os superiores se encaixem perfeitamente no correspondente da mandíbula. Já haviam sido encontrados outros crocodilomorfos fósseis com cúspides acessórias à cúspide principal, mas nenhum com a complexidade observada no Pakasuchus, somente vista nos molares dos mamíferos.

Outra importante feição dessa espécie da Tanzânia é possuir a superfície de articulação entre as arcadas bastante alongada. Esta construção indica que a mandíbula poderia se movimentar para frente e para trás, sugerindo que o animal era eficiente na tarefa de processar o alimento. Sempre é bom ter em mente que todos os crocodilomorfos atuais arrancam pedaços da presa ou a engolem por inteiro.

Hipótese para ausência de mamíferos

Reconstrução da dentiçãoReconstrução da dentição do 'Pakasuchus kapilimai' feita a partir de imagens obtidas através de tomografia computadorizada. A letra ‘a’ indica a dentição completa, a ‘b’, o número de dentes superiores e inferiores, e as demais mostram os dentes molariformes da espécie, semelhantes aos de mamíferos (reprodução/ Nature).
Outro aspecto bem interessante do estudo de O'Connors e colegas é a relação de parentesco do Pakasuchus. A nova espécie está mais proximamente relacionada a algumas formas encontradas na América do Sul e na África (que eram interligadas no supercontinente Gondwana), incluindo o Adamantinasuchus, o Candidodon (inicialmente confundido com um mamífero) e o Malawisuchus.

O fato de todos esses crocodilomorfos terem tamanho reduzido e também possuírem uma variação dentária incluindo dentes com cúspides acessórias – alguns chegando à condição ‘molariforme’ (condição que o Pakasuchus levou ao extremo) – levou os autores a realizarem uma comparação com a fauna de mamíferos existentes durante o Cretáceo nesses continentes.

O resultado da pesquisa mostrou que os mamíferos dessa idade são muito raros, ainda mais quando comparados às faunas de mamíferos encontrados nos continentes ao norte do equador, como América do Norte e Ásia – que, diga-se de passagem, não tem crocodilomorfos parecidos com o Pakasuchus e formas aparentadas.

Esta constatação levou a uma pergunta inevitável: seria possível que esses pequenos crocodilomorfos, com dentes molariformes e hábitos terrestres, estivessem ocupando o nicho ecológico dos mamíferos?

A proposta de O'Connor e sua equipe é interessante, pois explicaria a ausência ou restrição de mamíferos no Gondwana, que são relativamente comuns em terrenos de mesma idade geológica na América do Norte e da Ásia. Esses continentes do norte (que compunham o supercontinente Laurásia) não têm formas como o Pakasuchus e espécies relacionadas.

Apesar da importância dessa pesquisa – que demonstra como um fóssil pode influenciar a nossa percepção e entendimento acerca da evolução de um grupo totalmente distinto (no caso, dos mamíferos primitivos) – ainda existe um longo caminho para percorrer antes que a teoria levantada pelos colegas paleontólogos seja comprovada.

O maior empecilho mesmo é a falta de pesquisa de campo realizada no nosso país, onde a maioria das espécies aparentadas ao Pakasuchus foi encontrada. O registro de mamíferos dos depósitos do Cretáceo no nosso país ou na África é limitado a um único exemplar.

Resumindo, podemos dizer para os nossos paleontólogos: todo o empenho na caça aos mamíferos do Cretáceo...

Alexander Kellner

Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

INFERÊNCIAS PALEOCLIMÁTICAS DO INÍCIO DO HOLOCENO COM BASE EM ESPÍCULAS DE ESPONJAS CONTINENTAIS – LAGOA DOURADA/PR

ROSEMERI SEGECIN MORO
Departamento de Biologia Geral, UEPG, PR, rsmoro@superig.com.br
MAURO PAROLIN & HELTON ROGÉRIO MENEZES
Laboratório de Estudos Paleoambientais, FECILCAM, PR, mauroparolin@gmail.com, hr.menezes@gmail.com

Com o objetivo de determinar, no início do Holoceno, a presença de espículas de esponjas continentais na Lagoa Dourada (Parque Estadual de Vila Velha), município de Ponta Grossa/PR, foi avaliado o testemunho obtido pela autora sênior, em 1991, com amostrador tipo Livingstone. As seqüências analisadas foram datadas por radiocarbono em 11.000 ± 100 e 8.750 ± 150 anos AP [Moro, R.S. et al. 2004. Quaternary International 114:87-99]. Para exame das espículas de esponjas continentais ao microscópio óptico, foram retiradas porções (1 cm3) das amostras, fervidas em tubo de ensaio com HNO3 (65%) e pingadas sobre lâminas que após a secagem, foram cobertas com Entelan® e lamínula. As espículas silicosas presentes em todas as esponjas de água doce conhecidas, foram avaliadas conforme as categorias esqueletais: megascleras ou macroscleras, microscleras e gemoscleras. Foram encontrados na seqüência datada em 11.000 anos AP, fragmentos de megascleras de Radiospongilla amazonensis, indicando um período de maior tempo de residência de água. Na seqüência de 8.750 anos AP, foram encontrados raríssimos fragmentos de megascleras, que por serem muito pequenos, não permitiram a determinação específica, indicando fase mais seca que a seqüência anterior, com remobilização do material. Radiospongilla amazonensis tem como habitat lagoas sazonais, tendo sido registrada até o momento no Brasil Central e Amazônia, bem como nas camadas superiores dos depósitos de espongilito. Tais resultados estão em consonância com os obtidos por Moro et al. (op cit), que estudaram as diatomáceas presentes nesses sedimentos, e indicaram para o início do Holoceno súbita melhora climática, refletida por maior tempo de residência de água e uma seqüência mais seca nos sedimentos datados em 8.750 anos. Tal concordância com estudos já realizados para esta lagoa reforça o uso das espículas continentais como proxi data.

- Boletim da Sociedade Brasileira de Paleontologia Nº 62

FORAMINÍFEROS PLANCTÔNICOS NO QUATERNÁRIO DA BACIA DE PELOTAS: ESTUDO DE CASO EM PERFURAÇÃO OFF-SHORE

SANDRO M. PETRÓ, MARIA A. G. PIVEL & JOÃO C. COIMBRA

Depto. Paleontologia e Estratigrafia, IG/UFRGS, RS, sandro.petro@ufrgs.br, magomezpivel@usp.br,
joao.coimbra@ufrgs.br

A Bacia de Pelotas está situada entre os paralelos 28°S e 34°S, sendo limitada ao norte pelo Alto de Florianópolis e ao sul pela Bacia de Punta del Este, possuindo extensão de 210000 km² até a isóbata de 2000 m. A Bacia de Pelotas tem sido alvo de estudos baseados em diversos grupos de microfósseis, entretanto, em termos de bioestratigrafia e paleoceanografia, poucos trabalhos foram publicados até o momento. Os foraminíferos têm sua distribuição determinada por certas condições oceanográficas, por isso, ao encontrarmos certas espécies, podemos estimar as condições ambientais vigentes à época em que o organismo vivia. O principal objetivo deste trabalho é a realização de um estudo paleoceanográfico preliminar em uma perfuração do Quaternário da Bacia de Pelotas, a partir da identificação da fauna de foraminíferos planctônicos. Foram analisadas 14 amostras de um testemunho coletado na porção offshore, localizado sob 2841 m de coluna d’água, com recuperação de 6,81 m de sedimento. As amostras foram desagregadas, lavadas em peneira de malha 0,062 mm, secadas em estufa a 60°C e, novamente, peneiradas em malha 0,150 mm, sendo essa última fração a utilizada para a identificação das espécies. Das 14 amostras preparadas, cinco apresentam quantidade significativa de foraminíferos, três contêm poucas testas e seis são estéreis. Foram identificadas 23 espécies e, dentre as mais abundantes, estão: Globigerinoides ruber (morfotipo white), Globigerinita glutinata, Globigerina bulloides e Globorotalia inflata. Das cinco amostras representativas, três contêm a espécie Globorotalia menardii, indicando o fim de um estágio interglacial. O cálculo da paleotemperatura foi realizado através de um método que utiliza algoritmos matemáticos, e os resultados foram comparados aos obtidos com os registros da ocorrência da espécie G. menardii. As espécies mais relevantes de foraminíferos foram fotomicrografadas em Microscópio Eletrônico de Varredura no CEM/UFRGS.

- Boletim da Sociedade Brasileira de Paleontologia Nº 62

Quando foi encontrado o primeiro fóssil no mundo

A descoberta de novos fósseis é comumente comemorada pela ciência. Mas desde quando se tem contato com eles? Em resposta ao leitor, Alexander Kellner conta que os primeiros registros datam dos últimos séculos antes de Cristo.

Por: Alexander Kellner
Publicado em 28/04/2010 | Atualizado em 28/04/2010
Quando foi encontrado o primeiro fóssil no mundo?
  Pegadas fósseis de dinossauros em Sousa, Paraíba. 
- Ao lado de uma pegada, vê-se um sinal da presença indígena – um círculo com uma espécie de cruz em seu interior (foto extraída de Leonardi, G., in Bonaparte, J.F. et al. Venezia-Mestre, Erizzo, 1984).


Definidos como evidências preservadas nas rochas de organismos que viveram em épocas geológicas distintas da atual (ou seja, com mais de 12 mil anos), os fósseis existem em diferentes formas, desde simples impressão de folhas, rastros de invertebrados, marcas de raízes e restos de conchas de moluscos, até ossos de dinossauros (como o Santanaraptor, encontrado no Brasil).

Devido a essa diversidade, não é fácil determinar como e quando foi encontrado o primeiro fóssil no mundo, já que ele deveria ter sido reconhecido como evidência de vida em épocas passadas e, além disso, ter sido documentado de alguma forma. 

"Entre os mais antigos registros de fósseis, destacam-se os dos chineses, que utilizavam ‘ossos de dragões’ na medicina a partir de pelo menos 300 antes de Cristo".

Muitos acreditam que esses ossos fossilizados tenham pertencido a dinossauros, mas é mais provável que a maioria seja de mamíferos gigantes que viveram em diferentes pontos do planeta durante o Pleistoceno (cerca de 12 mil anos atrás).

Há também menções a ‘ossos’ ou ‘conchas de pedra’ em escrituras gregas e romanas, como os relatos do romano Quintus Sertorius em 81 a.C sobre a descoberta de um esqueleto com mais de 20 m no Marrocos.

No Brasil, é provável que os primeiros fósseis tenham sido registrados por populações indígenas que viviam na região de Sousa, na Paraíba. Vale lembrar que marcas dessas populações foram encontradas ao lado de pegadas de dinossauros. Embora provavelmente não tivessem noção do que eram fósseis, reconheceram as pegadas como pertencentes a animais que não viviam mais na região.


Alexander KellnerDepartamento de Geologia e Paleontologia,
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro


Texto publicado na CH 269 (abril/2010)